Em breve escreverei um triste e longo livro chamado Uma Mulher Vai Às Compras. Será um livro sobre o que nos demandam fazer e também um livro sobre pelo que somos odiadas por fazer. Será um livro sobre inveja e um livro sobre coisas dificilmente visíveis. Também será um livro sobre a história da literatura e os usos da literatura contra a mulher, também será contra a literatura e por ela, também contra fazer compras e por ela. O flâneur é um poeta livre de bolsas mas uma mulher não é uma mulher sem uma alça sobre os ombros ou uma clutch nas mãos.
Na contracapa do livro apenas será dito: Se uma mulher está sem bolsa, nós imaginaremos uma para ela.
Estes serão os capítulos:
Sobre uma mulher indo às compras
Sobre um homem indo às compras, sem e com uma mulher
Sobre as crianças que acompanham as mulheres nas compras
Sobre os lábios que mal se movem dos pobres e calculistas
Sobre a tentativas de abrir as portas para os mais velhos e no processo, tocar seus braços
Sobre a aquisição de braços de bonecos de ação
Sobre Daniel Defoe
Sobre a vez que vi uma pessoa em situação de rua ser morta por uma tentativa de furto
Sobre se é melhor desejar nada ou roubar tudo
Sobre quantas horas foram perdidas agora porque tive que ir às compras
Sobre como eu gostaria de fazer compras por horas em vez disso
Haverá muito mais: descrições pomposas de pomposas descrições do mercado perverso e de feminina decadência, algumas sentenças longas sobre o transporte de mercadorias e distribuição de alteridade, um capítulo inteiro sobre Tender Buttons em qual cada sentença é apenas uma questão. E de onde veio aquele carneiro, aquele rosbife, aquele jarro?
Mas quem publicaria este livro e quem o compraria? E como poderia ser literatura se não é timidamente contra a literatura, mas sinceramente contra ela, como é também contra nós mesmos?